Estudos apontam que a cada ano cresce exponencialmente o número de pessoas que não se sentem felizes e realizadas com sua própria vida e que precisam cada vez mais de variados estímulos para sentir algumas migalhas de prazer. Desde 2019, o Brasil se tornou o país mais ansioso do mundo e o quinto mais depressivo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Problemas como ansiedade, estresse, depressão, síndrome do pensamento acelerado, transtornos compulsivos, entre outras patologias, costumam gerar falta de motivação e alegria pela vida. Reverter esse quadro vai nos exigir olhar para questões que permeiam a vida humana, sobretudo na primeira infância, entre o nascimento e os seis anos, que é quando a maioria dos padrões de pensamentos e sentimentos se instalam.
O médico e escritor Augusto Cury, em seu artigo ‘O desenvolvimento da inteligência emocional na primeira infância’, descreve que a humanidade está adoecendo rápido e coletivamente porque crianças e adolescentes estão tendo suas identidades enfatizadas por seus diplomas e currículos. No livro Filhos Brilhantes, Alunos fascinantes, ele pontua que “não olhamos para seus rostos e para seus sorrisos, olhamos para suas descrições acadêmicas. E assim formamos gerações com muito conteúdo e com pouca alegria e quase nenhuma motivação para a vida”.
Ele também destaca a importância de observar que “a grandeza de um ser humano está na sua humildade, na compreensão das suas limitações e na capacidade de se fazer pequeno. É urgente a necessidade de nos fazermos pequenos para ver o mundo através do olhar de uma criança, pois só assim conseguiremos fazer nossas crianças serem “grandes”. Isso significa que as respostas para nossos questionamentos são complexas, vão nos exigir olhar para a história da própria infância.
O grande problema da atualidade, tanto na escola quanto no âmbito familiar, tem sido entender e diagnosticar o que tem gerado tantos problemas de comportamento pelos conteúdos e pela escola de forma geral, além da compulsão desenfreada pelo uso das tecnologias. Cabe ressaltar que apesar da alta relevância do tema, este vem sendo abordado ainda de forma muito sutil no meio científico, social e familiar.
A proposta de um ensino infantil que trabalha o desenvolvimento global da criança já está muito bem referenciada em todos os documentos oficiais, porém se faz necessária uma reflexão, mais a fundo, de como este processo se desenvolve no cotidiano da sala de aula e junto à família, de forma a realmente contemplar o desenvolvimento integral da criança dentro da sua subjetividade, características, crenças, necessidades, dificuldades e potencialidades.
Voltando ao conceito de infância, compreendemos que a concepção teve sua evolução marcada pelas transformações sociais que originaram um novo olhar sobre a criança. A educação voltada aos pequenos, que anteriormente era visto como “miniadulto”, só aconteceu devido à mudança no olhar da sociedade que passou a dotá-lo de um sujeito de “direitos”. Caso não houvesse essa valorização da infância, não teria surgido um novo perfil de educador para essas etapas.
No entanto, apesar dos avanços, observamos que a infância contemporânea tem regredido ou evoluído para um caminho no qual a criança não se encaixa na vida familiar e, desta forma, as escolas estão sendo “sua casa”. Muitas vezes crianças e jovens transitam entre uma escola e outra em torno de 8 a 12 horas por dia, e quando chegam em casa, normalmente é apenas para dormir.
A lei garante que a educação deve nos tornar livres, porém não somos livres para questionar e mudar a realidade posta para nossas crianças e jovens que na contemporaneidade só conseguem ser protagonistas das suas próprias histórias no mundo dos games. O professor segue o sistema e o aluno segue o professor em silêncio. Já o mundo dos games (on-line) está ganhando a cada dia maior parcela do tempo das nossas crianças e adolescentes.
Sabe por quê? É o ambiente virtual que hoje possibilita que elas construam e reconstruam hipóteses, promovam ações e interajam sobre uma realidade, mesmo que fictícia. Também é ali que encontraram seus pares para dialogar e extravasar toda sua energia mental. Neste mundo virtual mora ainda o comodismo dos pais, pois a grande maioria encontra nas redes sociais a busca pela autopromoção como forma compensatória de demonstrar amor e comprometimento com os filhos.
Eis que buscamos algo. Falta alguém. Sim, há uma ausência de amigos de verdade, ausência de segurança para brincar nas ruas, e a pior de todas, ausência de casa, de família, de carinho, de afeto, e de desafeto, de conflitos, de dividir verdadeiramente tempos e espaços de qualidade em família. Como educadora, deixo essa mensagem sobre a importância do desenvolvimento da inteligência emocional da criança, que só vai ser obtida a partir de bons relacionamentos em casa, na escola e na sociedade.
Não estou aqui para criticar a tecnologia, que é bem-vinda e muito útil, mas mostrar que a infância não pode ser entregue nas mãos de babás eletrônicas, que a criança necessita de contato e vivência humana, que na ausência de vida de verdade, aquela que cria significados verdadeiros, não vamos poder acalmar o coração, melhorar o humor em um momento de tristeza e sentir que a vida vale a pena. Desenvolvimento emocional exige presença, tempo e disposição. Vamos juntos?
Marilei Bahnert, graduada em Pedagogia, especialista em Psicanálise, Neuropsicopedagogia Clínica, Coaching em Ciências Sociais, Negócios e Direito, facilitadora do método Heal Your Life de Louise Hay no Brasil.